sábado, 28 de julho de 2012


O ALGARVE

   Estamos a caminho da Senhora do Verde, já no Algarve, embora a calmaria seja ainda alentejana, abafada e distendida pelas planícies. Uma leve aragem menos desértica anima o barro pulsante da terra, com um discreto sinal de humidade, num céu desenhado de pequenas nuvens esponjosas e soltas.

   A serra distante prolonga-se quase até à estrada, perseguida pelo olhar saudoso.

  É mais uma viagem em família, sentidas sempre como valiosas, com relatos de: experiências juvenis, ocasiões musicais e estilos, ocupações radicais, novas descobertas e troca de afetos. As novidades da escrita detêm-se nas encantadoras “croniquetas” de António Lobo Antunes e nas de José Luís Peixoto. Deste, lembrei-me daquela em que se recorda dos seus doze anos quando o pai adormeceu para sempre, escrita no dia em que o filho fazia doze anos, como ele outrora. O seu filho é mais afortunado. Se calhar, como confidencia António Lobo Antunes, um homem só o é verdadeiramente quando é confrontado com a morte do pai. É um momento que estremece ferozmente a consciência humana sobre a sua existência. Vergílio Ferreira testemunha na Aparição o seu “despertar” ao confrontar-se com a sua imagem que o surpreendeu no espelho, após a morte de seu pai. Quem é este que aqui está?

   Eu despedi-me do meu pai no último Dezembro, mas o sentimento de perda foi-se instalando desde o diagnóstico da sua doença, há sete anos. O desaparecimento definitivo, talvez compreendido, cavou fundo a profundidade da consciência da morte. Passa a ser nossa, também. Está conscientemente dentro de nós. Quase somos impelidos a iniciar gradualmente algumas despedidas, especialmente das banalidades, ou que para nós nos chegam como banalidades.

   O meu pai continua muito presente na cabeça e na casa da minha mãe. Há serenidade familiar, mas a minha mãe continua a falar-lhe e a falar dele e, quando não está em casa, a aguardá-lo à janela. Está lúcida. Estável organicamente. Mas continua a precisar do meu pai para lhe preencher a solidão diária.

   Hoje dei um salto à casa da minha mãe para lhe resolver uma questão do telefone e antes que tocasse à campainha, ela abriu-me a porta. Deu jeito; levava dois sacos de uvas que apanhei da latada da casa do Alentejo.

   - O teu pai agora não está em casa. Estava a ver se o via passar.

   Não te vou censurar nem desculpar, mãe. Cada um vive a sua realidade. Nem todos podem falar abertamente da sua. Tu podes falar-me da tua. Dá saudades ao pai, mãe.

                                                                                     Portimão,  agosto/2011

                                                                                                     Rosa Duarte

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