AS AULAS COMEÇARAM
As aulas começaram.
Os alunos parecem mostrar no rosto ainda aquela curiosidade renovada própria
do novo ciclo letivo por aquilo que se passa na escola. A expectativa no olhar
é acolhida pelo conhecido jovem edifício de amplo acomodamento e melhores
recursos. As salas conservam o odor a materiais de construção e agradecem a urbanidade
solar recebida por entre as frinchas das novas persianas automáticas. As luzes
dormem no teto. Temos que contribuir para diminuir o défice orçamental. Há
falta de manuais na sala. Alguns alunos reagem com agrado à penumbra do
ambiente criado pelo uso do quadro interativo. Escrevem e falam. Demonstram boa
focagem ocular.
Observo-os a trabalhar. Alguns safam-se sozinhos, na resolução do
questionário da ficha. Outros olham o parceiro ou a parceira e não resistem à
troca de gestos e palavras, numa cumplicidade isenta de adultos. Uns querem atenção,
outros o talento alheio. Outros ainda, uma segunda opinião especializada. Há os
que ainda cogitam…sobre o trabalho? O equipamento informático, em contínuo
zunido discreto, cumpre zelosamente a sua função, visto não exigir reforço de colunas
de som ou outro software acrescido, iluminando conceitos suportados por
palavras e alguns exemplos práticos.
Uma aluna senta-se ao meu lado, solicitando-me ajuda. A sua natural
atitude não contida devolve-lhe a clareza de raciocínio pouco antes comprometida
por uma espécie de preguiça mental. A certa altura, já propunha as respostas,
escrevendo-as, sem esperar ou hesitar. Revelou-se desembaraçada e autoconfiante.
Quase imóvel, por escassos segundos, viajei e lembrei-me das antigas
salas emprestadas, com mesas riscadas, JOANA BUÉ FIXE, tampos de madeira nas
cadeiras de ferro decorados com NÃO ME SENTES EM CIMA e outras tantas letras e
símbolos de união, de amizade e desilusão, de aprendizagem, rebelião ou reprovação…
E
pensei: como somos todos alunos em permanente descoberta! Trocamos palavras,
como quem troca berlindes, ou livros, ou pensamentos, ou comoções…ou silêncios.
- O presidente ontem utilizou 13
vezes a palavra responsável. Disseram ontem no telejornal – alguém comentou
em sussurro.
É verdade, o nosso representante político quer-nos cúmplices da mesma
realidade. Uma realidade com a responsabilidade de aprender e ensinar. Ato de
aprender que não se compadece com o de ensinar. Aprender a conhecer quem precisamos
de ensinar. Aprender a conhecer os sinais de um rosto agitado, de um olhar
apagado, de um gesto descontente, de um pensamento encomendado, de um impulso
de energia, de breve sonho de capitania... Aprender pelo que é dito e pelo que
é escondido. Pelo respeito ao sofrimento e pela alegria de viver, mesmo que não
seja a mesma que a minha. Sem preconceitos, sem generalizações, sem
sobrancerias ou suposições. Às vezes ciente de que os grandes homens de amanhã
poderão ser os mais inadaptados do presente.
Laranjeiro, 10 de outubro de 2011
Rosa Duarte
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