sábado, 28 de julho de 2012

as aulas começaram...


AS AULAS COMEÇARAM

   As aulas começaram.

   Os alunos parecem mostrar no rosto ainda aquela curiosidade renovada própria do novo ciclo letivo por aquilo que se passa na escola. A expectativa no olhar é acolhida pelo conhecido jovem edifício de amplo acomodamento e melhores recursos. As salas conservam o odor a materiais de construção e agradecem a urbanidade solar recebida por entre as frinchas das novas persianas automáticas. As luzes dormem no teto. Temos que contribuir para diminuir o défice orçamental. Há falta de manuais na sala. Alguns alunos reagem com agrado à penumbra do ambiente criado pelo uso do quadro interativo. Escrevem e falam. Demonstram boa focagem ocular.

   Observo-os a trabalhar. Alguns safam-se sozinhos, na resolução do questionário da ficha. Outros olham o parceiro ou a parceira e não resistem à troca de gestos e palavras, numa cumplicidade isenta de adultos. Uns querem atenção, outros o talento alheio. Outros ainda, uma segunda opinião especializada. Há os que ainda cogitam…sobre o trabalho? O equipamento informático, em contínuo zunido discreto, cumpre zelosamente a sua função, visto não exigir reforço de colunas de som ou outro software acrescido, iluminando conceitos suportados por palavras e alguns exemplos práticos.

   Uma aluna senta-se ao meu lado, solicitando-me ajuda. A sua natural atitude não contida devolve-lhe a clareza de raciocínio pouco antes comprometida por uma espécie de preguiça mental. A certa altura, já propunha as respostas, escrevendo-as, sem esperar ou hesitar. Revelou-se desembaraçada e autoconfiante.

  Quase imóvel, por escassos segundos, viajei e lembrei-me das antigas salas emprestadas, com mesas riscadas, JOANA BUÉ FIXE, tampos de madeira nas cadeiras de ferro decorados com NÃO ME SENTES EM CIMA e outras tantas letras e símbolos de união, de amizade e desilusão, de aprendizagem, rebelião ou reprovação…

  E pensei: como somos todos alunos em permanente descoberta! Trocamos palavras, como quem troca berlindes, ou livros, ou pensamentos, ou comoções…ou silêncios.

  - O presidente ontem utilizou 13 vezes a palavra responsável. Disseram ontem no telejornal – alguém comentou em sussurro.

   É verdade, o nosso representante político quer-nos cúmplices da mesma realidade. Uma realidade com a responsabilidade de aprender e ensinar. Ato de aprender que não se compadece com o de ensinar. Aprender a conhecer quem precisamos de ensinar. Aprender a conhecer os sinais de um rosto agitado, de um olhar apagado, de um gesto descontente, de um pensamento encomendado, de um impulso de energia, de breve sonho de capitania... Aprender pelo que é dito e pelo que é escondido. Pelo respeito ao sofrimento e pela alegria de viver, mesmo que não seja a mesma que a minha. Sem preconceitos, sem generalizações, sem sobrancerias ou suposições. Às vezes ciente de que os grandes homens de amanhã poderão ser os mais inadaptados do presente.
      Laranjeiro, 10 de outubro de 2011                                                  Rosa Duarte                      

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