OBRIGADO AO ZÉ LUÍS
Olá.
Pois é, eu também sou leitora do José Luís Peixoto e é na
galeria dos melhores que procuro apresentá-lo aos meus alunos: ao lado de um Saramago,
de um Nuno Júdice, de um José Gomes Ferreira… São alguns anitos a conviver com
estes e outros grandes senhores da senda literária. Felizmente. Daí o Zé Luís
de há pouco, que não é só porque é mais novo do que eu, mas porque é assim que
ele me escreve a mim, leitora anónima.
Nem sempre temos as melhores palavras para falarmos de
assuntos íntimos, como é esta da arte de escrever. Mas é incrível como os
sentimentos humanos crescem por pessoas que são as palavras que escrevem. Que
nos proporcionam sorrisos e abraços imaginários em tom de conversa literária e que
nas confidências afiguram-se-nos quase fisicamente presentes e íntimas, praticamente
exclusivas para cada um de nós. Então se o escritor disser coisas como: nunca
disse isto antes, ou a mais ninguém, ficamos maravilhados com a confiança que o
autor deposita em nós. É o fenómeno da cumplicidade autor/público em face da
realidade rotineira para mergulhar no prazer do contacto com a criação artística.
Não há forma mais sedutora de compreensão de uma mensagem do que uma boa
interpretação cinematográfica, uma cantata melodiosa, uma sentida encenação
teatral, uma aguarela bucólica ou outra expressão plástica, cujo suporte
literário é visceralmente transversal. Até no instante da descodificação mental
da ideia inspiradora do seu autor.
E isto a propósito de há dias estar a ler uma curiosa crónica
de José Luís Peixoto intitulada «Lá estás tu» que é nada menos que o
desdobramento do sujeito da enunciação a dar conta da voz que é o pior crítico
na sua cabeça. Do tipo, a (auto)criticá-lo por ter recorrido ao olhar de uma
miúda para levantar a autoestima, a criticá-lo pela misturada de narradores nos
seus textos, a criticá-lo pelas recordações da escola primária que a voz
entende que é uma forma de imposição de memórias que todos têm e estão a ser poluídos
com as suas, pelas suas considerações sobre temas para os quais acha que ele/o eu não está habilitado para falar, da
política, por exemplo… “Pareces um telefone fora de descanso. Pensas que as
outras pessoas não têm mais nada para fazer do que amparar os restos da tua
vida banal?” (Abraço: 2011) E eu que quando comecei a ler a escrita de
José Luís Peixoto ainda tive algumas hesitações, sobretudo nos momentos da
recorrente sensibilidade enumerativa ou dos seus minuciosos registos
quotidianos, e que quase me senti uma espécie de parente, embora afastado, da
sua voz… Mas foi a minha comezinha voz que rapidamente se autoasfixiou e hoje
estou completamente rendida à sua causa literária, disposta a ouvir até o sinal
prolongado e insistente do tal telefone fora do descanso. Às vezes também sou
assim…um telefone à procura de um sinal do outro lado da linha. Então, os
restos da nossa vida banal começam a fazer um pouco mais de sentido porque estreitam
laços com os daqueles que têm a hombridade de os assumir e os oferecerem
amigavelmente com novas fragrâncias de coloração sentimental, estilística e
filosófica, até.
Desculpem, ainda
estou a pensar, e aquela da voz interpelar o seu criador quando este faz
apreciações sobre escritores maiores, como Dostoiévski, que não conhece o
suficiente, (pseudo)denunciando-se a cada passo, e que devia de se ter demovido
de quaisquer considerações? Um bom exercício de desnudamento do culto da
personalidade. Remendável para todos nós, para mim sem dúvida, porque sabemos
que o conhecimento é poder e qualquer dia apontamos uma arma na rua para
obrigarmos o transeunte mais incauto a ouvir a nossa história de desgraçadinho
disfarçado de serial killer... O que
vale é que acabamos sempre por reconhecer que a humildade é o germicida recomendado
para os focos resistentes da vaidade humana.
Parabéns, Zé, pela
autoperscrutação partilhada.
Afinal ainda há
humanidade nas humanidades.
Laranjeiro, 3 de abril de 2012
Rosa
Duarte
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