sábado, 28 de julho de 2012

homenagem ao zé luís peixoto


OBRIGADO AO ZÉ LUÍS
 

Olá.

Pois é, eu também sou leitora do José Luís Peixoto e é na galeria dos melhores que procuro apresentá-lo aos meus alunos: ao lado de um Saramago, de um Nuno Júdice, de um José Gomes Ferreira… São alguns anitos a conviver com estes e outros grandes senhores da senda literária. Felizmente. Daí o Zé Luís de há pouco, que não é só porque é mais novo do que eu, mas porque é assim que ele me escreve a mim, leitora anónima. 

Nem sempre temos as melhores palavras para falarmos de assuntos íntimos, como é esta da arte de escrever. Mas é incrível como os sentimentos humanos crescem por pessoas que são as palavras que escrevem. Que nos proporcionam sorrisos e abraços imaginários em tom de conversa literária e que nas confidências afiguram-se-nos quase fisicamente presentes e íntimas, praticamente exclusivas para cada um de nós. Então se o escritor disser coisas como: nunca disse isto antes, ou a mais ninguém, ficamos maravilhados com a confiança que o autor deposita em nós. É o fenómeno da cumplicidade autor/público em face da realidade rotineira para mergulhar no prazer do contacto com a criação artística. Não há forma mais sedutora de compreensão de uma mensagem do que uma boa interpretação cinematográfica, uma cantata melodiosa, uma sentida encenação teatral, uma aguarela bucólica ou outra expressão plástica, cujo suporte literário é visceralmente transversal. Até no instante da descodificação mental da ideia inspiradora do seu autor.

E isto a propósito de há dias estar a ler uma curiosa crónica de José Luís Peixoto intitulada «Lá estás tu» que é nada menos que o desdobramento do sujeito da enunciação a dar conta da voz que é o pior crítico na sua cabeça. Do tipo, a (auto)criticá-lo por ter recorrido ao olhar de uma miúda para levantar a autoestima, a criticá-lo pela misturada de narradores nos seus textos, a criticá-lo pelas recordações da escola primária que a voz entende que é uma forma de imposição de memórias que todos têm e estão a ser poluídos com as suas, pelas suas considerações sobre temas para os quais acha que ele/o eu não está habilitado para falar, da política, por exemplo… “Pareces um telefone fora de descanso. Pensas que as outras pessoas não têm mais nada para fazer do que amparar os restos da tua vida banal?” (Abraço: 2011)  E eu que quando comecei a ler a escrita de José Luís Peixoto ainda tive algumas hesitações, sobretudo nos momentos da recorrente sensibilidade enumerativa ou dos seus minuciosos registos quotidianos, e que quase me senti uma espécie de parente, embora afastado, da sua voz… Mas foi a minha comezinha voz que rapidamente se autoasfixiou e hoje estou completamente rendida à sua causa literária, disposta a ouvir até o sinal prolongado e insistente do tal telefone fora do descanso. Às vezes também sou assim…um telefone à procura de um sinal do outro lado da linha. Então, os restos da nossa vida banal começam a fazer um pouco mais de sentido porque estreitam laços com os daqueles que têm a hombridade de os assumir e os oferecerem amigavelmente com novas fragrâncias de coloração sentimental, estilística e filosófica, até.

   Desculpem, ainda estou a pensar, e aquela da voz interpelar o seu criador quando este faz apreciações sobre escritores maiores, como Dostoiévski, que não conhece o suficiente, (pseudo)denunciando-se a cada passo, e que devia de se ter demovido de quaisquer considerações? Um bom exercício de desnudamento do culto da personalidade. Remendável para todos nós, para mim sem dúvida, porque sabemos que o conhecimento é poder e qualquer dia apontamos uma arma na rua para obrigarmos o transeunte mais incauto a ouvir a nossa história de desgraçadinho disfarçado de serial killer... O que vale é que acabamos sempre por reconhecer que a humildade é o germicida recomendado para os focos resistentes da vaidade humana.

   Parabéns, Zé, pela autoperscrutação partilhada.

   Afinal ainda há humanidade nas humanidades.

                                                                              Laranjeiro, 3 de abril de 2012

                                                                                              Rosa Duarte

Sem comentários:

Enviar um comentário