BASTARDOS DO SOL
Um dos livros da minha vida.
É um livro de 74. Talvez por
isso… Claro que gostei recentemente do Escutando
o Rumor da Vida. Com Solidões em
Brasa. Muito desinibido e dinâmico. Solto e sumarento. Um excelente trabalho
e boa companhia. Mas o nosso coração tem destas coisas. Talvez porque ainda vivencio,
no dia a dia, os bastardos do sol de coloração urbana, dum além-tejo com persistente
pobreza viscosa e poeirenta. Não aquele Alentejo genuíno de “céu cru e terra
fulva”, mas as periferias estigmatizadas pelo desenraizamento cimentado e
cinzento de ferodo. Os bastardos que começam ainda meninos a comer o pão da aspereza
da vida, nem sempre acarinhados ou desejados, por vezes com a família numa
terra longe da sua e alegrias perto que doem por não serem suas e brilharem de
tanta luz. Cor só aquece aquela igual à sua que dança e sonha com o azul do
novo firmamento ou a confiança numa nova investida. São vidas na escola da vida
em construção, que se veem bastardos porque não conseguem conquistar e legitimar
o seu sentido de sonhadores com consentimento. Ainda que nascidos em terra de
brasas, veem no escuro a solidão dos seus rostos. “Sempre a vida [é] trágica e cómica!” O meu Bastardos
do Sol é uma edição do Círculo de Leitores, com um prefácio portentoso de
Claude Michel Cluny.
Já contei o que vou dizer mais do que uma vez
nas “tertúlias” em casa de uns amigos, daqueles que nunca nos esquecem. Que
estão sempre presentes nas nossas palavras. Mas que compreensivelmente se
ressentem com as nossas ausências, ainda que involuntárias. Mas há sempre o dia
em que a amizade se impõe à solidão reflexiva.
Conheci, como tanta gente, o Professor
Urbano Tavares Rodrigues quando ainda era uma jovem universitária na Faculdade
de Letras de Lisboa. Não foi meu professor, mas já era sobejamente reconhecido
pela sua coragem de resistente antifascista, pela sua nobre tarefa de distinto
professor universitário e, sem dúvida, pela sua arte da escrita escalpelizadora
das agruras e elevações da vida.
Contudo, quis o destino que Tanta Gente, Mariana, de Maria Judite de
Carvalho fosse a obra maior na minha memória das eleitas pelo nosso saudoso
Professor Mário Dionísio para conversarmos e aprendermos as Técnicas da Expressão
do Português. A famigerada cadeira, amada e exorcizada por tantos de nós. Que com
umas malvadas técnicas ajudaram tantos, pobres de nós crianças ainda a bolsar
os vícios do secundário, e nos deram a conhecer este soberbo texto de Judite de
Carvalho que é um testemunho riquíssimo da consciência notável de alguém
observadoramente solitária, num quotidiano repleto de gente também triste e só
nos seus sentimentos e anseios. Sobretudo quando há uma potencial possibilidade
de partilha do nosso ser com quem melhor nos pode compreender, como aconteceu
entre Judite e Urbano.
Mais que merecida a recente
homenagem à longa carreira literária de Urbano Tavares Rodrigues. A sua
presença foi recebida com esperado júbilo. E inevitável comoção e gratidão. Com
muitas presenças. Muitos amigos e anónimos atentos e sedentos da sua boa
literatura.
Laranjeiro, 17 de julho de 2012
Rosa Duarte
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