sábado, 28 de julho de 2012

bastardos do sol


BASTARDOS DO SOL

Um dos livros da minha vida.

É um livro de 74. Talvez por isso… Claro que gostei recentemente do Escutando o Rumor da Vida. Com Solidões em Brasa. Muito desinibido e dinâmico. Solto e sumarento. Um excelente trabalho e boa companhia. Mas o nosso coração tem destas coisas. Talvez porque ainda vivencio, no dia a dia, os bastardos do sol de coloração urbana, dum além-tejo com persistente pobreza viscosa e poeirenta. Não aquele Alentejo genuíno de “céu cru e terra fulva”, mas as periferias estigmatizadas pelo desenraizamento cimentado e cinzento de ferodo. Os bastardos que começam ainda meninos a comer o pão da aspereza da vida, nem sempre acarinhados ou desejados, por vezes com a família numa terra longe da sua e alegrias perto que doem por não serem suas e brilharem de tanta luz. Cor só aquece aquela igual à sua que dança e sonha com o azul do novo firmamento ou a confiança numa nova investida. São vidas na escola da vida em construção, que se veem bastardos porque não conseguem conquistar e legitimar o seu sentido de sonhadores com consentimento. Ainda que nascidos em terra de brasas, veem no escuro a solidão dos seus rostos. “Sempre a vida [é] trágica e cómica!” O meu Bastardos do Sol é uma edição do Círculo de Leitores, com um prefácio portentoso de Claude Michel Cluny.

 Já contei o que vou dizer mais do que uma vez nas “tertúlias” em casa de uns amigos, daqueles que nunca nos esquecem. Que estão sempre presentes nas nossas palavras. Mas que compreensivelmente se ressentem com as nossas ausências, ainda que involuntárias. Mas há sempre o dia em que a amizade se impõe à solidão reflexiva.

Conheci, como tanta gente, o Professor Urbano Tavares Rodrigues quando ainda era uma jovem universitária na Faculdade de Letras de Lisboa. Não foi meu professor, mas já era sobejamente reconhecido pela sua coragem de resistente antifascista, pela sua nobre tarefa de distinto professor universitário e, sem dúvida, pela sua arte da escrita escalpelizadora das agruras e elevações da vida.

Contudo, quis o destino que Tanta Gente, Mariana, de Maria Judite de Carvalho fosse a obra maior na minha memória das eleitas pelo nosso saudoso Professor Mário Dionísio para conversarmos e aprendermos as Técnicas da Expressão do Português. A famigerada cadeira, amada e exorcizada por tantos de nós. Que com umas malvadas técnicas ajudaram tantos, pobres de nós crianças ainda a bolsar os vícios do secundário, e nos deram a conhecer este soberbo texto de Judite de Carvalho que é um testemunho riquíssimo da consciência notável de alguém observadoramente solitária, num quotidiano repleto de gente também triste e só nos seus sentimentos e anseios. Sobretudo quando há uma potencial possibilidade de partilha do nosso ser com quem melhor nos pode compreender, como aconteceu entre Judite e Urbano.

Mais que merecida a recente homenagem à longa carreira literária de Urbano Tavares Rodrigues. A sua presença foi recebida com esperado júbilo. E inevitável comoção e gratidão. Com muitas presenças. Muitos amigos e anónimos atentos e sedentos da sua boa literatura.

                                                                    Laranjeiro, 17 de julho de 2012        
                                                                                          Rosa Duarte                      

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