OS JUNCOS
- Espera por mim! – gritou-lhe Sofia do outro lado da rua.
Rodolfo afrouxou o passo. Abriu um sorriso de surpresa e fez-lhe uma careta divertida. Ela mal pôde
esperar que o semáforo fechasse. Afinal, até “curtia” a sua companhia. As filosofias
de Rodolfo é que a baralhavam. E sempre fora assim, desde o 5º ano quando o
conhecera. Sempre teimosamente a arrastá-la para a profundeza dos seus
pensamentos fora da realidade que conhecia doutra forma e precisava de
adaptar-se. Quase lhe ganhara anti-corpos! Agora felizmente o rapaz estava mais
lacónico, mais moderado, mas sempre bem-disposto e seu amigo. Entretanto a
biologia, com muita genética, ocupava muito do seu tempo e do seu espírito. Por
isso, ela esboçou um sorriso perante a possiblidade de tal encontro ser mais
uma das proclamadas sincronicidades da Vida. Logo nesse dia que tinha convidado
alguns amigos para irem passar a tarde a sua casa.
Segundos depois, desfrutavam os
dois jovens de breves momentos de um olhar próximo e comovido.
- Sempre encantador o meu querido Rodolfo! – balbuciou-lhe, beijando-lhe
o rosto.
- Achas?! Tu pareces-me um pouco cansada.
- Tenho andado muito tensa, com os exames, e mais uma série de coisas...
Aproximaram-se da casa de Sofia.
- Queres subir? Vou receber umas amigas e amigos.
- Ai sim? Ok. – assentiu Rodolfo, agradado. Este admirava-a de surpresa,
enquanto subiam no elevador lado a lado. Entraram em silêncio a porta de casa,
entreolhando-se com natural curiosidade, sem qualquer sinal de constrangimento.
- Sabes, Sofia, a melhor maneira de libertares as tuas tensões é descontraíres,
aos poucos, lentamente, cada pequena parte do teu corpo, ora rodando os punhos
e observando as mãos, ora balançando levemente os braços, à tua vontade, ao
sabor do teu estado de espírito, bamboleando o corpo, a cintura, o abdómen,
encolhendo e dilatando-o – Rodolfo ia falando, à medida que fazia gestos e
movimentos ilustrativos, compenetrada e demoradamente. - Também podes, suavemente,
arquear torax, de seguida enchê-lo bem de ar, sempre a um ritmo muito tranquilo...
Enfim, pões-te a brincar com o teu corpo, sentindo o prazer de cada gesto, em
movimentos espontâneos, soltos, compassados, desfrutados ao sabor da tépida
temperatura que vais percebendo que existe à tua volta, que irradia do teu
corpo, das tuas mãos, deixando a tua atenção desperta para alguns pontos que
vais entregando à emoção crescente de união e harmonia que vais conquistando dentro
de ti e com aquilo que vês, que ouves e cheiras à tua volta, próximo de ti, e...
depois o mais distante que conseguires percepcionar... Se te concentrares no
sentido da audição, dás conta de pequeninos ruídos vindos do exterior... e... se
ficares também atenta a ti, ao teu interior, apercebes-te do maravilhoso silêncio
que ressoa na tua mente, uma melodia constante que te habita...
Sofia, ainda pouco crédula naquela dinâmica, sorria surpreendida pelo
efeito reparador que aquele desafio inesperado lhe estava a fazer. Rodolfo
parecia estar a ganhar um novo ascendente no espírito da rapariga.
Encontravam-se
ambos na entrada ampla e desempedida da casa. Ela não era muito dada ao
exercício físico, mas foi-se deixando levar pelas palavras do amigo que interagia
com ela num espaço contíguo, fazendo movimentos
desinibidores. Este manteve, contudo, alguma contenção na sua expressão
corporal que habitualmente era mais expansiva quando em casa lhe dedicava alguns
minutos daas suas alvoradas. Ele pensava que poderia ter sido bailarino. Talvez
até músico! Seriam com certeza formas privilegiadas de «tocar o divino». Mas
preferira desbravar o caminho alternativo das medicinas, o estudo da espiritualidade,
explorar o caminho do oculto...
Continuaram, gradualmente mais à-vontade um com o outro.
- Já me sinto menos “stressada”, mais aliviada...um tanto mais leve! – e
continuava a mexer-se graciosamente, imitando parcialmente o amigo.
Entretanto, Sofia, que se preparava para
abrandar o corpo, reagiu à voz sussurrada de Rodolfo:
- Vamos fazer um exercício muito reconfortante, de expansão, ou seja,
continuamos com a nossa linguagem corporal, assim, como nesta dança contínua, interminável,
mas imaginando-nos num jardim público muito bonito, com muita gente à volta, com
algum ruído, mas com uma atmosfera familiar, pouco trânsito, tráfego afastado, crianças
divertidas, algumas aves em convívio, patos junto a um lago grande onde nós
estamos, eu e tu: somos juncos agregados a outros juncos que vão desenhando
gestos e movimentos circulares ao sabor da brisa morna primaveril, com grande
flexibilidade, graciosidade, cada vez mais intensamente serenos, cumprimentando
cada visitante curioso que nos olha, emocionada ou apenas amigavelmente. Agora
aproxima-se um tímido rapazinho que te olha curioso por alguma estranha
sintonia com o teu terno saudar que pareces ofertar-lhe. Ele está fixado na tua
beleza tão viva e jovial, tão ávida dos braços quentes do sol. Os teus jeitos continuam
entregues e confiantes, a tua forma e a tua alma, que pareces enamorada! Pelo
rapazinho? Estás deliciada com o seu olhar escuro cintilante. Uma rapariguita
chama-o. Ele volta-se e corre a abraçá-la. É a sua acompanhante. A tua dança é
interminável. O que sentes? Continuas a amar o rapazinho, agora também a menina
que lhe dá um carinho que tu não podes imitar, mas que sentes que reforças com
o teu aceno brando. Estás a brindá-los com Amor em cada movimento enamorado à
Vida, aos outros, a tudo o que conheces e ao desconhecido que sentes, que um
dia saberás transcender...
Sofia exalava alegria interior, intensa, respirando lenta e serenamente,
e o seu olhar espelhava a beleza do espaço natural que os seus olhos deslumbrados
em cada momento exultavam.
- Como é lindo ser junco, observar o lago, amar os outros, olhar e
ver-te no meu coração, Rodolfo...
Sorrateiros, os amigos de Sofia iam entrando pela porta entreaberta daquele
apartamento, estupefactos.
Ela sorriu e continuou a falar, dançando mais que qualquer outro junco,
aceitando alegre e incansavelmente os mais leves impulsos do vento macio e
quente naquele parque acolhedor dentro da sua alma renovada e agradecida,
talvez mais atenta aos encontros marcados pela Vida.
Olívia Campos
Agosto/2007
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