sábado, 28 de julho de 2012

conto os juncos


    OS JUNCOS



   - Espera por mim! – gritou-lhe Sofia do outro lado da rua.

   Rodolfo afrouxou o passo. Abriu um sorriso de surpresa e  fez-lhe uma careta divertida. Ela mal pôde esperar que o semáforo fechasse. Afinal, até “curtia” a sua companhia. As filosofias de Rodolfo é que a baralhavam. E sempre fora assim, desde o 5º ano quando o conhecera. Sempre teimosamente a arrastá-la para a profundeza dos seus pensamentos fora da realidade que conhecia doutra forma e precisava de adaptar-se. Quase lhe ganhara anti-corpos! Agora felizmente o rapaz estava mais lacónico, mais moderado, mas sempre bem-disposto e seu amigo. Entretanto a biologia, com muita genética, ocupava muito do seu tempo e do seu espírito. Por isso, ela esboçou um sorriso perante a possiblidade de tal encontro ser mais uma das proclamadas sincronicidades da Vida. Logo nesse dia que tinha convidado alguns amigos para irem passar a tarde a sua casa.

    Segundos depois, desfrutavam os dois jovens de breves momentos de um olhar próximo e comovido.

   - Sempre encantador o meu querido Rodolfo! – balbuciou-lhe, beijando-lhe o rosto.

   - Achas?! Tu pareces-me um pouco cansada.

   - Tenho andado muito tensa, com os exames, e mais uma série de coisas...

   Aproximaram-se da casa de Sofia.

   - Queres subir? Vou receber umas amigas e amigos.

   - Ai sim? Ok. – assentiu Rodolfo, agradado. Este admirava-a de surpresa, enquanto subiam no elevador lado a lado. Entraram em silêncio a porta de casa, entreolhando-se com natural curiosidade, sem qualquer sinal de constrangimento.

   - Sabes, Sofia, a melhor maneira de libertares as tuas tensões é descontraíres, aos poucos, lentamente, cada pequena parte do teu corpo, ora rodando os punhos e observando as mãos, ora balançando levemente os braços, à tua vontade, ao sabor do teu estado de espírito, bamboleando o corpo, a cintura, o abdómen, encolhendo e dilatando-o – Rodolfo ia falando, à medida que fazia gestos e movimentos ilustrativos, compenetrada e demoradamente. - Também podes, suavemente, arquear torax, de seguida enchê-lo bem de ar, sempre a um ritmo muito tranquilo... Enfim, pões-te a brincar com o teu corpo, sentindo o prazer de cada gesto, em movimentos espontâneos, soltos, compassados, desfrutados ao sabor da tépida temperatura que vais percebendo que existe à tua volta, que irradia do teu corpo, das tuas mãos, deixando a tua atenção desperta para alguns pontos que vais entregando à emoção crescente de união e harmonia que vais conquistando dentro de ti e com aquilo que vês, que ouves e cheiras à tua volta, próximo de ti, e... depois o mais distante que conseguires percepcionar... Se te concentrares no sentido da audição, dás conta de pequeninos ruídos vindos do exterior... e... se ficares também atenta a ti, ao teu interior, apercebes-te do maravilhoso silêncio que ressoa na tua mente, uma melodia constante que te habita... 

    Sofia, ainda pouco crédula naquela dinâmica, sorria surpreendida pelo efeito reparador que aquele desafio inesperado lhe estava a fazer. Rodolfo parecia estar a ganhar um novo ascendente no espírito da rapariga.

     Encontravam-se ambos na entrada ampla e desempedida da casa. Ela não era muito dada ao exercício físico, mas foi-se deixando levar pelas palavras do amigo que interagia com ela num espaço contíguo, fazendo  movimentos desinibidores. Este manteve, contudo, alguma contenção na sua expressão corporal que habitualmente era mais expansiva quando em casa lhe dedicava alguns minutos daas suas alvoradas. Ele pensava que poderia ter sido bailarino. Talvez até músico! Seriam com certeza formas privilegiadas de «tocar o divino». Mas preferira desbravar o caminho alternativo das medicinas, o estudo da espiritualidade, explorar o caminho do oculto...

    Continuaram, gradualmente mais à-vontade um com o outro.

   - Já me sinto menos “stressada”, mais aliviada...um tanto mais leve! – e continuava a mexer-se graciosamente, imitando parcialmente o amigo.

     Entretanto, Sofia, que se preparava para abrandar o corpo, reagiu à voz sussurrada de Rodolfo:

   - Vamos fazer um exercício muito reconfortante, de expansão, ou seja, continuamos com a nossa linguagem corporal, assim, como nesta dança contínua, interminável, mas imaginando-nos num jardim público muito bonito, com muita gente à volta, com algum ruído, mas com uma atmosfera familiar, pouco trânsito, tráfego afastado, crianças divertidas, algumas aves em convívio, patos junto a um lago grande onde nós estamos, eu e tu: somos juncos agregados a outros juncos que vão desenhando gestos e movimentos circulares ao sabor da brisa morna primaveril, com grande flexibilidade, graciosidade, cada vez mais intensamente serenos, cumprimentando cada visitante curioso que nos olha, emocionada ou apenas amigavelmente. Agora aproxima-se um tímido rapazinho que te olha curioso por alguma estranha sintonia com o teu terno saudar que pareces ofertar-lhe. Ele está fixado na tua beleza tão viva e jovial, tão ávida dos braços quentes do sol. Os teus jeitos continuam entregues e confiantes, a tua forma e a tua alma, que pareces enamorada! Pelo rapazinho? Estás deliciada com o seu olhar escuro cintilante. Uma rapariguita chama-o. Ele volta-se e corre a abraçá-la. É a sua acompanhante. A tua dança é interminável. O que sentes? Continuas a amar o rapazinho, agora também a menina que lhe dá um carinho que tu não podes imitar, mas que sentes que reforças com o teu aceno brando. Estás a brindá-los com Amor em cada movimento enamorado à Vida, aos outros, a tudo o que conheces e ao desconhecido que sentes, que um dia saberás transcender...

   Sofia exalava alegria interior, intensa, respirando lenta e serenamente, e o seu olhar espelhava a beleza do espaço natural que os seus olhos deslumbrados em cada momento exultavam.

   - Como é lindo ser junco, observar o lago, amar os outros, olhar e ver-te no meu coração, Rodolfo...

   Sorrateiros, os amigos de Sofia iam entrando pela porta entreaberta daquele apartamento, estupefactos.

   Ela sorriu e continuou a falar, dançando mais que qualquer outro junco, aceitando alegre e incansavelmente os mais leves impulsos do vento macio e quente naquele parque acolhedor dentro da sua alma renovada e agradecida, talvez mais atenta aos encontros marcados pela Vida.                                                                            



                                                                                          Olívia Campos

                                                                                                            Agosto/2007   

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