COMO
CONSTRUIR A PAZ
Quando falamos em Paz pensamos, de
imediato, em ausência de Guerra, sinónimo de Não Violência. É um entendimento inequívoco,
legítimo e muito precioso neste sistema mundial de intolerância e competição. Neste
século vinte e um, a conquista da Paz é cada vez mais urgente para desacelerar os
crescentes movimentos fundamentalistas que se estendem silenciosamente a muitas
nações, com motivos assustadoramente baseados na justiça e vontade divina.
Contudo,
as formas menos evidentes de violência perpassam inúmeras situações do
quotidiano, umas vezes mais perceptíveis que outras, de natureza social, ecológica,
institucional, educacional, cultural, entre outras. É exemplo o Consumismo
praticado nas sociedades actuais que atinge níveis de violência da
responsabilidade de grupos económicos que estudam estratégias para estimular
excessivamente o desejo de aquisição de produtos não essenciais, criando
necessidades na população, através de atitudes manipuladoras de marketing, chegando a levar a situações críticas
de “pobreza a crédito” (endividamentos) e a estados frequentes de insatisfação compulsiva
nos vários públicos-alvo: as crianças exigem insistentemente renovadas
aquisições (roupas de marca da moda, novas “consolas”…); os jovens querem
impressionar diariamente os amigos com a mais recente tecnologia; os adultos elegem
diariamente preocupações relacionadas com as marcas (de carros, de
electrodomésticos, …) que oferecem maiores facilidades de pagamento, com a
cumplicidade das entidades bancárias que tornam acessíveis os empréstimos
aparentemente generosos; até os idosos de hoje passam demasiado tempo nas
grandes superfícies comerciais como se fossem de jardins, expostos às radiações
dos aparelhos que os liga ao exterior, os telemóveis…privados do contacto com o
exterior e sem a interacção saudável com os outros.
A educação para a Paz tem sido objecto prioritário de reflexão de alguns
grupos organizados, dentro e fora das escolas, há já algumas décadas. Com
propósitos essencialmente pedagógicos, uma dessas organizações é o Movimento
Galego-Português dos Educadores para a Paz que tem desenvolvido iniciativas com
publicações de vários autores, em especial do Professor Xésus Jares, sendo de destacar
o Encontro anual de três dias, aberto à participação de todos, que tem
decorrido alternadamente em Espanha e em Portugal para a partilha de
experiências e debate de ideias que permitem contribuir para uma maior
consciencialização e criação de novas estratégias para, nomeadamente, resolver
conflitos interpessoais. O XX Encontro do Movimento decorreu em Abril passado
em Lugo, na Galiza.
Há também outros grupos organizados que, embora não ligados directamente
a instituições educativas, visam despertar o sentido de vida de cada um de nós,
desenvolvendo uma compreensão progressiva da essência de cada indivíduo e do
espaço em que nos movemos, por forma a despertarmos para atitudes de libertação
de condicionamentos que nos fazem, consciente ou subconscientemente, sofrer
porque vivemos deles dependentes. Estou a pensar em grupos eclécticos como a
Sociedade Teosófica, o World Goodwill,
o Centro Lusitano de Unificação Cultural e outros, alguns seguindo orientações
de sistemas filosóficos milenares, que promovem Jornadas, Seminários, Cursos e
Actividades para reflectir, séria e rigorosamente, e ajudar a desenvolver o
verdadeiro conhecimento da dimensão humana em áreas como a Ciência, a
Filosofia, a Religião e a Arte. No último seminário teosófico português, Isabel
Nobre Santos, presidente do Ramo Lótus Branco, afirmou o seguinte: «Com efeito, hoje em dia assistimos ao
surgimento de cientistas com António Damásio, que, tendo estudado
cientificamente o mapeamento do cérebro, deixa a porta aberta para a
eventualidade de este poder ser “treinado” de acordo com uma ÉTICA a funcionar
de forma benéfica. António Damásio faz uma viagem à Holanda para ir “ao
encontro de Espinoza” e conclui que a Espiritualidade e a Ética de Espinoza, no
seu entender muito próxima do Budismo, podem constituir uma resposta às
indagações morais do homem.»
No ensino, criar disciplina(s) distinta(s) no desenho curricular com
objectivos cívicos ou morais, não tem tido grande impacto na formação dos
alunos. De facto, a Paz não se ensina. Não é uma doutrina que se possa incutir
aos outros. A Paz é mais do que um Valor Universal. É uma forma de estar no
mundo, dentro e fora de cada um de nós. Podemos e devemos falar da Paz, mas não
se aprende ou apreende verdadeiramente a Paz apenas por falar dela. A Paz (re)conhece-se
e encontra-se na prática diária, na relação que estabelecemos e mantemos connosco
próprios e com os outros.
Ao longo da minha carreira, sempre procurei o diálogo com os alunos, às
vezes “roubando” tempo que faz sempre falta para leccionar os conteúdos dos
extensos programas; no entanto, o à-vontade que se consegue no ambiente do
espaço da sala de aula é necessário para facilitar as metodologias a implementar,
sejam elas quais forem, sobretudo as mais pedagógicas. Recentemente, tomei consciência
que devo, sempre que posso, olhar os rostos dos meus alunos e averiguar breve e
delicadamente sobre o seu estado emocional, sempre que possível em cada aula. É
uma maneira de me aproximar mais dos diferentes universos individuais que se
escondem por detrás da figura do aluno e se retraem entre as paredes imperturbáveis
das salas do «provisório-definitivo» edifício da “minha” escola.
A Paz é intrínseca à existência humana. Ela é essencial ao equilíbrio sócioafectivo
de cada um de nós, porque a sua presença viva depende da harmonia alcançada
entre a liberdade individual e a responsabilidade sociocultural dentro de uma
comunidade. Ao reclamarmos para as escolas, para os locais de trabalho e para
os espaços sociais de uma comunidade as condições essenciais para um
crescimento saudável do ser humano, inevitavelmente temos que considerar a
génese da felicidade do indivíduo logo nos primeiros anos da sua vida que deve
revestir-se de apoio e dedicação por parte dos seus primeiros educadores, que o
serão eficazmente se também eles forem beneficiários de uma cultura de
Paz.
Rosa Duarte
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