sábado, 28 de julho de 2012

cadê o celeiro?


Cadê ele?

Para onde foi o Celeiro?

Hoje reduzido a toscos vestígios no cimento despido da rua Sebastião da Gama, o nosso Celeiro fora outrora uma casa cheia de trigo dourado, quais jovens alunos que conviviam nos singulares pátios a céu aberto ou sentados de encontro às ripas de madeira escura das paredes dos barracões das nossas salas. Com esta alcunha de terra-mãe, a escola secundária de Corroios nº 2 foi depois rebatizada de Moinho de Maré, por afinidades etnográficas e históricas, familiarmente acarinhada durante vinte e poucos anos. Tão discreta nos incaracterísticos subúrbios da margem sul, era, contudo, firme e ousada na natural modéstia finissecular com honras parentais do santo cavaleiro, o nobre senhor do mesmo moinho de maré, escudeiro imortalizado pela história que salvou a nossa nação de uma crise, essa de sucessão, a quem damos pelo seu recente nome de canonizado São Nuno de Santa Maria.    

Assim, a nossa gente pobre, mas não de espírito, que ia fazendo sobreviver alguns vestígios guerreiros, trabalhou e fundou nomeadamente um jornaleco, «O Celeiro», que trouxe à nossa humilde morada algumas alegrias como a vinda do escritor de distinto labor e valor, o sempre estimado amigo Baptista Bastos. Uma desejada presença no lançamento do nosso periódico, em fase primária artesanal, que nos brindou com a sua vasta experiência jornalística e literária. A sua visita foi com orgulho a nossa notícia de destaque no primeiro número do nosso jornal de escola e cada um se preparou para a inevitável pergunta do momento: onde estava no 25 de abril?

À velocidade de um pensamento recordei-me há dias, com alguma comoção (há dias assim), destes momentos do passado quando escolhi a “Crónica das Palavras” para ler aos meus alunos. Necessariamente outros alunos, mas com sentimentos conhecidos. Então, noutro tempo e novo espaço, peguei nas palavras sonoras do Baptista Bastos para refletir sobre a honra das palavras, a verdade dos factos e as negligências pessoais, a cumplicidade leviana de uma crítica pedânea, a pobreza lexical confrangedora, a cor secreta e subtil das palavras e a memória de alguns dos nossos saudosos mestres da arte da escrita. Como esta sua crónica elevadamente termina com a ideia de se tratar também de um pretexto para lembrar nomes intemporais da nossa moderna arte literária, então resolvi fazer deste modesto apontamento um igual pretexto para o homenagear a ele, Baptista Bastos, que, felizmente, está ainda, graças a Deus, entre nós vivinho da silva.         

E como o agradecimento sentido só nos engrandece, bichinhos da terra tão pequenos, alacres e sedentos de deslumbramento, humildemente aproveito aqui para também homenagear todos aqueles escritores que nos inspiram pela sua sabedoria, graciosidade e humor quando enlevados, por exemplo, nos lembram que, afinal quanto mais velhos mais futuro temos ou que o ato de pensar é ouvir apenas com mais força (António Lobo Antunes no seu piscar de olhos e traje de ganga). Ou quando nos confidenciam que não sabem escrever sobre tudo, pelo menos por enquanto (risos), mas que as suas ideias são de humanismo, porque a vida é composta de matizes diferentes, de muitas crises e que temos, por isso, de manter uma boa relação com a nossa dor (José Luís Peixoto, jovial no porte e sorriso ladeado de piercings). Ou quando nos ensinam que, embora a Europa esteja como um barco à deriva, os seus ideais continuam disseminados pelo mundo inteiro, o que não livra cada nação de se interrogar a cada passo, quando quer caminhar, e erguer-se dessa simulação de corpo morto (Eduardo Lourenço). E gratidão a muitos, muitos outros criativos e pensadores…portugueses e não só…

Já para não falar de diretores e colunistas, como José Carlos de Vasconcelos e José Matias Alves, incansavelmente sempre ao serviço do reconhecimento do trabalho pedagógico, artístico e cultural ao irem descobrindo e concedendo a cada autor ou evento algum espaço de generosidade pública, porque merecida e encorajadora, e que são exemplo para muitas instituições do nosso país que precisam de aprender a reconhecer e reforçar, com os seus meios possíveis obviamente, o esforço dos jovens empreendedores criativos e inventivos menos apoiados, mas nem por isso menos dedicados e talentosos. O mundo é grande e a arte é a musa da vida.

Porque não só, mas também de lamechice vive o homem, é esta a que fica de gratidão da minha pena.



                                                                                   Laranjeiro, 18 de maio de 2012

                                                                                                   Rosa Duarte

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