quinta-feira, 26 de julho de 2012

as cadeiras


AS CADEIRAS

    Tudo o que é demais sobra. Um dito popular menos usado hoje em dia porque é pouco o que nos sobra. Mas foi a partir deste provérbio pleonástico, ou tautológico, que me lembrei da arte de Joseph Kozuth. A propósito das plantas que vimos, profs e alunos, em fevereiro, numa das exposições temporárias do museu coleção Berardo, com o título One and three plants, de 1965, fomos conhecer as famosas cadeiras que estão no museu de Arte Moderna de Nova Iorque, porque nos oferecem os mesmos três registos: fotográfico, linguístico e o objeto em madeira construído; daí o paralelismo nos nomes One and three chairs. Então, perante três representações de um objeto familiar, foi-nos perguntado: qual é o mais artístico? Ou, onde está a obra de arte? Esta guia fez-nos pensar…recordando-nos que os visitantes olham, em média, escassos segundos para cada obra de arte. Há que perceber cada ideia. E pelos vistos este autor focaliza a sua ideia na perspetiva marginal da arte. Não destacando a subjetividade (ou “interioridade profunda”), insiste que a arte é uma proposição, da qual não haveria necessidade de uma prova morfológica. Para ele, podemos abdicar da experiência sensível da arte, bastando apenas que esta seja apreciada no seu próprio contexto para se verificar o seu valor.
   O empenho entusiástico da jovem despertou-nos o interesse pelo trabalho deste artista visual americano, um dos principais formuladores da arte conceitual nos anos 60 e 70, conhecido pelo ensaio Arte depois da filosofia (1969), onde discute que a arte é a continuação da filosofia e assegura o caráter tautológico do objeto de arte. Parece que a influência da arte conceitual permanece até aos dias de hoje com, por exemplo, as instalações, videotecnologias, performances e, de certa maneira, participa de uma crescente intelectualização do artista, que passou a ter uma formação teórica mais sólida.
   Ao procurar encerrar o caráter material da arte, parece que Kosuth não se detém na dimensão ou contexto social – e institucional – que alarga e aprofunda o conceito de arte. Daí o objeto em particular da cadeira porque questiona a natureza da arte em detrimento da sua função social. Com a cadeira é indiscutivelmente poderosa. Ou seja, com um gesto humano de convite perante uma cadeira vaga, o homem enobrece-se, a si e perante os outros; ao passo que com o gesto contrário, de rutura grupal, contraria a sua natureza gregária. E compromete o sentimento de harmonia envolvente. Obviamente que a conceção física do objeto também condiciona a sua função social. Se tem espaldas mais altas, associamos a um determinado valor estatutário. Olhamo-la como a uma cadeira do poder. Se todas são iguais, embora cómodas, à partida não agimos de forma estratificadora. Um assento de descanso a um peregrino, por exemplo, nunca se nega. Nem que seja uma esteira no empedrado, com a parede a amparar as costas. O próprio banco do jardim, que manteve o nome, ganhou espaldas para o regalo dos veraneantes ou dos sem-abrigo com mau dormir.
   É assim, pois, a cadeira um fértil objeto social, lúdico, terapêutico e simultaneamente muito dado a inovações artísticas e/ou funcionais. Estima-se como um dos objetos de topo dos designers. Para além de ajustar o corpo à ideia ergonómica de multifuncionalidade, é conhecido por participar no mundo fantástico da imaginação, como no da Alice no País das Maravilhas.
   Enfim, não há nada como uma boa guia de museu para carimbar o passaporte de qualquer jovem que decide compreender a ideia do artista e os meandros de cada ideia sua.
   E a quem saltou os parágrafos anteriores e acabou aqui de chegar, é favor de sentar-se connosco e olhar o céu a ouvir esta obra de arte intitulada «Receita para fazer azul»: “Se quiseres fazer azul/pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande/que possas levar ao lume do horizonte/depois mexe o azul com um resto de vermelho/da madrugada, até que ele se desfaça/despeja tudo num bacio limpo…”(Nuno Júdice, Poesia Reunida: 1967-2000).
 

                                                                        Laranjeiro, 16 de abril de 2012



                                                                                          Rosa Duarte

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