sábado, 28 de julho de 2012

sou spam


SOU SPAM. ENVIE-ME PARA A LIXEIRA


Desculpe senhor leitor o terrível incómodo. Acho que sou spam e o meu criador um malvado spammer. Neste embaraço, deve enviar-me imediatamente para a lixeira, como folheto publicitário abusivo. Não sei se o sou, mas são as ordens que tenho. Aliás, não sei bem o que sou. Estão a escrever-me à revelia, como sempre, com palavras que ainda não entendo lá muito bem. Porque estou a ser escrito?  É uma boa pergunta. Também eu gostava de saber. Eu sei que quem nasce não tem culpa do incómodo que causa, mas fica sempre aquela impressão de que podia fazer alguma coisa… sei lá… romper prematuramente as águas, não dar a volta,  dar pontapés até abortar… E com isto tudo, sinto-me crescer, sete a oito linhas já me fazem quase uma introdução, estou a ganhar corpo, alimentado por palavras, mais ou menos proteicas de ideias, produto caseiro, mas não me conheço bem. Acho que nem quem me está a escrever me conhece com clareza. Bom, nesse aspeto, acho que o fenómeno da paternidade é assim mesmo. Vai acontecendo… Tento compreender as razões do meu autor, que sinto que age como superior meu, que está a comandar esta operação de escrita. Não sei se ele também tem chefias, se recebe ordens de outros…  Ouvi dizer que um dia ele escreveu qualquer sobre isso. Estranhas estas hierarquias! Deduzo que um texto seja um filho desejado. Quero pensar que sim. Agora por que nos fazem nascer, mesmo com algum controlo de natalidade, até por causa das malformações, são motivos que me ultrapassam. Um dia pergunto-lhe. Hoje não porque isto hoje está a acontecer rapidamente. Deve ter de ir trabalhar. Ou ir à casa de banho. Podia ter ficado um pouco mais na cama, mas não! E que raio de título é este? O título está a confundir-me. Mas já estou habituado. Mesmo no final, às vezes, continuo com dúvidas daquilo que significo…

Eu sei que costumo ser boa companhia. Um bom bate-papo. E por aí até compreendo. Sou um bom desafio. As ideias entre nós são motes para muitas conversas com interesse. Ele começa a dizer qualquer coisa. A desculpar o incómodo, por exemplo. E eu, que não aprecio banalidades e frases feitas, faço resistência, acuso erro, como que a dizer-lhe: olhe que não! olhe que não! É melhor deitar essa para o lixo, percebe? Não vale a pena ateimar. Spam comigo! Faço de contas que sou assertivo, estão a ver? Nem deixo pestanejar o cursor. Claro que ele, o autor, ou a autora, não me interessa se é homem ou mulher, não tenho curiosidades mundanas, fica com aquela espécie de ressentimento, que me irrita diga-se de passagem, próprio dos humanos suscetíveis, daqueles que gostam de se queixar a todo o momento, e tenta fazer-me respirar novas palavras, menos poluídas, mais jovens, menos gastas e brilhantes. Chateia-me quando fico amaricado. Não curto. Mas basta um toque de jovialidade no tom, quase que de gracejo, para eu arrebitar logo um tudo-nada. É fixe o meu autor. Acho que é um bocado cota, mas é uma pessoa com feeling e desempanada. Às vezes com vontade de mandar tudo à merda e de ir gozar os rendimentos para outro lado, mas isso é só quando se dá ao trabalho de pensar nalgumas figurinhas insólitas que querem testar a sua paciência. Mas depois, há sempre uns gajos que lhe dão umas palmadinhas nas costas, pagam-lhe um copo, falam-lhe de novos projetos, de fazer umas fitas, sacar umas músicas, fazer uns planos, enquadramentos com piada, no Gambrinus muitas vezes…

Bem, agora façam um favor a vocês próprios e deitem-me para a lixeira. Conscientes, contudo, que nem todos somos lixo. Não vão nessa conversa! É que o boss hoje está para aqui a escrever umas coisas desarticuladas que não sei de onde vieram. Ele é que veio de lá ontem com umas gravações por fazer, a coisa não deve ter corrido muito bem, acho que ele gosta de falar à primeira, que o entendam logo, sem sobressaltos. Não gosta de cenas maradas. Nem a pedir um chá. Não há, como não há? Gente com falta de chá, é o que é. Gosta da boa educação, prontos! Ele diz que quando vai dar uma mãozinha fora do horário de trabalho, querem logo mandar num gajo. Já não se pode ser bom tipo. Gostar de fazer coisas. Filmagens, por assim dizer. E ele já ganhou uns quantos prémios. Mas os da casa são uns ingratos e uns invejosos. É o que são! Às vezes fazem de conta que não gostam dele. É tudo fachada. Têm medo de quê? Quando lhes interessa, são simpáticos, depois sempre na má-língua. A desfazer. A deitar abaixo. Havia de ser comigo… Já lho tenho dito: generosidade a mais é estupidez. Quer-se longe de intrigas e conversas sem interesse…até compreendo, mas eu à primeira oportunidade, dava-lhes uma lição. Do tipo: ai querem filmes? Pois bem, eu faço de Falâncio e pergunto-lhes: E o Povo, pá?  E dou-lhes com a Música da Reação numa série nova Os Quintelas no programa Hienas Fedorentas. Ora aí está uma palavra perfumada “fedorentas” para seguir o caminho indicado da lixeira. Tenham uma boa vazão.



                                                                                                    Laranjeiro, 6 de junho de 2012



                                                                                               Rosa Duarte

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