sábado, 28 de julho de 2012

o regresso


O REGRESSO


   O regresso é a dupla viagem. Nem sempre sem destroços.

   Galga-se o alcatrão da autoestrada e reveem-se os momentos que deixámos para trás.

   Onde está a beleza de tudo isto? Qual é o sentido do caminho?

   A resposta trazemo-la, pessoal, a fermentar dentro de nós. Dificilmente definitiva. Visitas a rostos, a afetos inacabados, a convívios distanciados, a lugares de que gostamos de falar e lembrar, ou outros que teimam em repousar…desafios na descoberta do outro…vias para a identidade…pequenos êxtases visuais, auditivos, aromáticos…encontros fortuitos com potenciais “musas” a enamorar a mente…riscos desencontrados e gestos que procuram a bênção divina…condutas que querem crescer e afirmar-se.

   Mas sem a melodia da poesia na tessitura das palavras, o engenho não sabe a vida, a arte. Desperdiçamos os restos do nosso ser nos paramentos da palavra repisada. Para criar é preciso saber esperar: abrir algemas aos pulsos do oculto pensamento fecundo, abrigarmo-lo clandestino na salinha de espera da mente e vermo-lo ressurgir em figurativas imagens e desejos de inédito valor expressivo.

   Quando não… quando menos se espera, somos um livro de colo a espreguiçar-se na cabeça, um impulso visual a degustar um vermelho carnudo crepuscular, um sonoro espumar de algares numa confluência de mar, ou simplesmente um canto de mansinho ao ouvido do comovente desafortunado amoroso.

   Dou volta aos rabiscos como se de pequenas medições se tratassem, e não vislumbro o fiel Pantagruel para refeições deleitosas de palavras primitivas, conficionadas com apuro genuíno, que sabem a quotidiano receituário. Antes assim.

   Um compêndio de vivências mentalizadas pela leitura é uma completude recorrente do êxtase na ligação a pequenas experiências de existência interna, de realização humana, em que o autor e o leitor são um só. Lemo-nos pela elevada mão da graciosidade melódica e da imagem decifrada sensorialmente pelos eus. Criamo-nos juntos. Sentimo-nos dignos do grupo a que pertencemos. Até sentimos vontade de contribuir em crescendo com um paladar estilístico na festa literária, plena de votos festivos textuais.

   Amantizados, agradecemos o convite assíduo da palavra na nossa intimidade artística e entregamos a nossa vontade social ao prazer solitário da escrita.


                                                      Verão de 2011                                  Rosa Duarte

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