O REGRESSO
O regresso é a dupla viagem. Nem sempre sem destroços.
Galga-se o alcatrão da autoestrada e reveem-se os momentos que deixámos
para trás.
Onde está a beleza de tudo isto? Qual é o sentido do caminho?
A resposta trazemo-la, pessoal, a fermentar dentro de nós. Dificilmente definitiva.
Visitas a rostos, a afetos inacabados, a convívios distanciados, a lugares de
que gostamos de falar e lembrar, ou outros que teimam em repousar…desafios na
descoberta do outro…vias para a identidade…pequenos êxtases visuais, auditivos,
aromáticos…encontros fortuitos com potenciais “musas” a enamorar a mente…riscos
desencontrados e gestos que procuram a bênção divina…condutas que querem
crescer e afirmar-se.
Mas sem a melodia da poesia na tessitura das palavras, o engenho não
sabe a vida, a arte. Desperdiçamos os restos do nosso ser nos paramentos da
palavra repisada. Para criar é preciso saber esperar: abrir algemas aos pulsos
do oculto pensamento fecundo, abrigarmo-lo clandestino na salinha de espera da
mente e vermo-lo ressurgir em figurativas imagens e desejos de inédito valor
expressivo.
Quando não… quando menos se espera, somos um livro de colo a
espreguiçar-se na cabeça, um impulso visual a degustar um vermelho carnudo
crepuscular, um sonoro espumar de algares numa confluência de mar, ou
simplesmente um canto de mansinho ao ouvido do comovente desafortunado amoroso.
Dou volta aos rabiscos como se de pequenas medições se tratassem, e não
vislumbro o fiel Pantagruel para refeições deleitosas de palavras primitivas,
conficionadas com apuro genuíno, que sabem a quotidiano receituário. Antes
assim.
Um compêndio de vivências mentalizadas pela leitura é uma completude
recorrente do êxtase na ligação a pequenas experiências de existência interna,
de realização humana, em que o autor e o leitor são um só. Lemo-nos pela elevada
mão da graciosidade melódica e da imagem decifrada sensorialmente pelos eus. Criamo-nos
juntos. Sentimo-nos dignos do grupo a que pertencemos. Até sentimos vontade de
contribuir em crescendo com um paladar estilístico na festa literária, plena de
votos festivos textuais.
Amantizados, agradecemos o convite assíduo da palavra na nossa
intimidade artística e entregamos a nossa vontade social ao prazer solitário da
escrita.
Verão
de 2011
Rosa Duarte
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