O MANTO
Cubro o rosto
Com a cor
Das palavras
Soltas loucas
Vagabundas
Nas ruas
Da minha boca.
Saio de mim
De cada olho
Dedo a dedo
Bocados de pele
Que me quer vestida
Relance discreto
Em cada traço
Quase desfocado
Sobre breves linhas
De meu corpo
Face incompleta
Quase desconhecida.
Vejo-me e relembro
O beijo perfurado
No peito desnudado
Desatento
Rubro pálido
Do teu rosto.
Em cada
Olhar moribundo
Horizontes
Cinzentos
Azulados
Do mar imenso.
Reclamo
Os sons do tempo
Os abraços contidos
Nos seios retraídos
Da Lua
Solitária
Talvez abandonada
De tão longa
Espera
Entre o amor
E o dia.
Vamo-nos
Espantar
Amantizar
Com a Vida
Tão embevecida
Como os putos das cantigas
Cheios de pão
Nas camisas
De algodão
E um sonho
Na palma de
Cada mão.
É o Manto
Da Beleza
Brilho-realeza
Pardo nascido
Luzidio
Dos nossos corpos
Rendidos
apetecidos
P´lo Infinito
Inflamado
Em encontros de
Humana
Afeição.
AMOR-PORÃO
Não sei bem
Qual é a versão
Enamorada
Da melodia apalavrada
Do poema canção.
A criança é jovem escuta
Sempre alerta e companheira
Tem melodia afinada
Na retina do quase-sonho
Quer mudar o nosso tempo
Em surdina
Tão vincado ânimo
No seu terno coração.
Vem, menina,
Alagar meus pensamentos
Com lágrimas adormecidas
Na palidez do meu rosto
Perdido naquele olhar
Inflamado nos teus dons
Sentidos enlevados
Recordações do colo
Da nossa mãe
Divina.
Nimbada estás
Em cortesias
Supremas
De novos reinos
Pré-cósmicos
(Criatura bonita
Instalada
No porão da minha Vida).
Ó Deusa-menina,
Devolve a Compreensão
Da poesia
Ao mundo
Tumulto-emoção
Eterno encontrão
Na profecia
Do peito apaziguador
Alquimia.
Enlaça-me o regaço
Abraça-me
Com jeito
De mansinho
E estremece o tudo
E o nada
Que és
De mim
Verso-beijo
No universo
Aquecido
Poderoso
Embalado
Pela vida com sentido.
Fruto-de-água
Nenúfar-mocinha
Vizinha minha
Da morte feitiço
Boca recortada
Em lábios-síntese
Gretados de luz
Em espectro
Perfumado
Violeta
Procriado.
Contornos de sereias
Ofugantes
Sedutoras
Despidas
Saciadas no
Espelho cerebral
Do Amor parido
Entre a estrela
E a maresia.
É quase dia
Dentro de mim.
NATUREZA
Amo a natureza
Esboçada pelo
Tempo
Chuva dourada
Junto aos rios
Serpenteados
Nas pedras dos
Caminhos
À beira-vida.
O Sol-nascente
Renasce
Nas folhas
Translúcidas
Carnudas
Maçãs bravias
Nas veredas
Muradas
Por videiras
A despontar
Na beleza de um
Olhar comovido
Acolhido em
Afagos
Macios
Do entardecer.
São suspiros.
A Natureza
Respira
Silencia em cada respiro
Em cada poro intenso
O nosso Ser
Uno
Infinto.
PÁSSARO-BORBOLETA
Verdes são os sonhos na ribeira
Junto às veredas da quimera
Sentida tão contida
Às vezes
perdida
Na curva do amanhecer.
Linhas de um vvô
o enson
ado
Abrigado no colo das tuas
Melodias s o p
r a d a
s
saciadas
À beira de ti
Pássaro - borboleta
Residente na f l o r do teu
corpo
Irmã do Sem-Tempo.
Riscas com o silêncio do momento
As pautas
respiradas
Contidas GRITADAS
Oferecidas
Nas asas afagadas
Pela brisa
São apenas
Pensamentos perfumados
Acariciados pela brisa do Vvvventooo.
DIÁRIO DE BORDO
Rebentação
Maresia sacudida
Por pestanas
Persianas
Longas
Do navio
Corpo-de-gente
Atracado
No interior
Deste livro
Que o meu peito
Escreve escreve
E não acaba de
Acontecer.
Branca
Cada névoa
Cada página
Xares do acontecer
Guerreira da paz
Reclamada no silêncio
Do tempo encolhido
Desconforto da mente
Quase demente se fosse
Tanto o querer.
É a espera
Do nada
Na volta crescente sem
Regresso da
Morada suprema
Além-tempo
Além-nós
No espaço de
Seres a graça
Regaço eterno
Forte abraço
Que nunca esqueces.
Diário de bordo
Sem terra à vista.
EXAMINANDOS
Jovens mentes
Inclinadas
Acompanhadas
Calcam pensamentos
Dedutivos
Em numéricos contributos
São etapas equacionadas
Da Gravitação Universal
E a Constante de Avogadro
Ionicamente palpitada
Do líquido sobre a massa
Superior em novo formato
Criativo amancebado
Com o montante
Químico sulforado
No belo exame
Enxartado
Enxame de ideias
Provocado
Num Mercado volatizado
Quase sem trabalho
Rumo ao risco da
Extinção do interesse pessoal.
Redigem-se leis
Afastam-se papéis
Os dedos não despacham
Protestos
Recuam ante poemas
Confusos
Versos inutilizados
Em surdina
Não declamados
Subjectivos como
O verbo aprender.
A SALA
Quase silêncio.
Apenas o barulho eléctrico
Das lâmpadas
Constante
Artificial
Tolerado por
Rostos académicos calados
Concentrados
Nas folhas do
Enunciado
pálido
Nas gráficas calculadoras
Canetas em rascunhos
Muita matemática
Pouco literária
Certa oculta
Poesia naquela escolha.
Quase silêncio
Na emoção dos presentes
Exorcismo de fórmulas
Limites notáveis
Prováveis
Trigonometrias
De símbolos letrados.
Complexa
É a área da superfície
Talvez com figuras menos planas.
Respira
A penumbra cinzenta
Dos generosos cortinados
Furtados à seriedade
Matinal de Junho
Vislumbre temperado
Da claridade solar
No recinto externo
De cada corpo
Em cada Ser
Em perpétua definição.
QUERER SER
Sentir
Ser
Pensar
Ser
Sorrir
Ser
Servir
Ser
Agir
Ser
Aguardar
Ser
Beijar e não querer trair o
Acontecer
Permitir morrer
Cada presente
firme mente
Instalado
renascido no
Microcosmo humano
Dilatado
Amador-amado
ancorado
No Coração do Universo.
UM QUADRO QUOTIDIANO EM DESCOBERTA
Carnudas
As fibras rasgadas
Descascadas por
Um afiado instrumento
De cozinha.
Alongados os gomos
Um a um
Tombados no interior
Fundo de alumínio
No xadrez ladrilhado aos
Pés do mestre
Culinário
Sentidas voláteis gotículas
Desparticularizadas
Celibatárias
Elevadas em adocicada
Acidez
Oferecidas ao brilho lacrimoso
Dos olhos plácidos
Recorte humano
Tardio sereno
Luz macia
De um iniciático verão.
Bafeja um tímido
Espanta-espírito melodioso
Harmonioso
À janela
Moldura aquecida
Beleza cálida
Festiva em
Santidade popular.
O céu com azul
Aclarado pelo sol persistente
Impressão de pássaros
Alados em poses
Plana
Observando
A apreciada quietude.
Sombras de ângulo
astral
Inclinado
Quase decidido a
Repousar no horizonte.
As cinzas em lâmina
Modernas persianas
Dançam leves
Pendulares
Na variedade sinfónica
Chilreada de berço
Abeirada nos cumes
Dos pesarosos prédios
De fungos férteis
Em recrudescer.
Eis as bênçãos
De um acontecer
Vulgar
vigoroso
Renovado em
Fortes enlaces de
Quotidiana cumplicidade.
PERFUME NO NEVOEIRO
Silencio.
Porque falas, coração nocturno?
Ó crescente quarto lunar
Riso na noite perfumada
Leva as sombras em convívio
Duendes encantados
Encharcados
Em poentes
Maravilhamentos.
Voz anónima sinto em mim
Doce fada
Murmurada ao ouvido
Enamorada.
Reclama-me o silêncio
Amoroso
Apaziguado
Em cada palavra
Amordaçada
Não cantada
E persistente.
Exausta
Entrego-me
Indefesa
Ao
Todo encoberto
Nevoeiro interior
Dissipado pelo
Prazer próximo
Do teu beijo alimento
Beleza infinita
No teu eterno olhar.
A NOITE
Vou dormir na noite
Que mora nas traseiras
De minha casa.
Sinto a frescura claro-escura
Sobre a cabeça tombada
Nos braços do parapeito
Da minha janela.
Oh, como é bom dormitar
Ao relento de um fim de dia
Longamente estival
Mais perto do mundo.
Perfume de sapal
Distante
Diletante grasnar de
Gaivota vadia
Residente
Dos pântanos fecundos
Embriagados
envoltos
No manto expectante
Da noite.
EL MANTO
OH, manto oscuro!
Espacio sin rostro ausente.
En lugar del desconocido
Misterioso palacio alejado
Sin ruinas o destrozos
Restos de ladrillos
adormecidos
Deja espontáneamente
Al acaso
O por la vida proyectado
Un pequeño botón de rosa colorado
Vigoroso ser germinado
En mi pecho humano despertar
En tierras cercanas embalado
Con parcos mirados y
cuidados
Solo pacientemente
alimentado
Cariñado por algunos dedos
Generosos inebriados
Con la belleza luminosa infinita
El fuego del alba locura
Intenso amor del Divino.
TRIBUTO A J. KRISHNAMURTI
O pensamento é tempo
É fábrica de imagens licorosas
Translúcidas
Difuso ecrã convexo compulsivo
Em películas
Articulado
Movimentos
Distraídos no indizível
Abrigo do subsolo carnal.
O tempo é inimigo
Do humano
Ser
Dogmático escolástico
De escolhas vãs
escravas
Ilusões
De sonhos nas palavras
Gordurosas
Amontoadas nos cais
Do império da mente.
Com gestos
sombrios
Passos lentos na calçada
Espectros gigantes do acontecer
Vagueia o tempo
Em cada verso
Recortado separado
Em pensamentos sanzonais
Carrilhão de vendavais
Ai! Em que dolorosa compreensão
Fragmentada memória
Um pouco mais intuitiva
Talvez mais compassiva
Rumo ao conteúdo consciente
Despertar da percepção
Talvez um dia radical
De uma terra sem caminhos
Rumo ao Amor e ao
Indizível.
SER TEÓSOFO
Sim, sim, sim!
Ser teósofo é ter a audácia
De navegar naquele riacho
Que se descobre um mar imenso
Dentro de cada ser
Natureza
Microcosmo cercado de líquidos
Por quase todos os nossos lados.
Reflexos divinos
Inacabados
Somos assim
Os cavaleiros
Na mesa escura de grande árvore
Da Stp
Nossa anciã sempre jovem amiga.
Buscamos o oculto
O último invólucro
Da Alma profunda
ainda recolhido
O caminho da Verdade
Do Amor e da Vida
O Brahman da bem-aventurança.
Em roda humana inalamos
O querer
Crescer para dentro
E para fora
A densidade e generosidade
Da mãe-terra bem sacrificada
Com aquela cegueira ainda convalescente
Dos homens de boa vontade.
Sim, Sim, Sim!
Somos amigos e somos irmãos
E companheiros
Eternos paladinos
Da causa teosófica
Em serena meditação
Em silêncio
Em fraterna comunhão
Estudamos a beleza
Da antiga sabedoria
Em várias vozes
suave melodia
Bebemos o chá
Vitalidade balsâmica
Da nova alegria
Que é compreensão
Da Sabedoria Divina.
TRIBUTO A FLORBELA ESPANCA
No lânguido esmaecer das amorosas
Tardes que morrem voluptuosamente
Ouve-se a melopeia dos jovens
pardais
E o ladrar solto de um cão menos
caseiro.
São janelas devassadas pelo
calor suão
Acariciadas pelo delírio das cortinas
Baínhas bailando ao bafo da
brisa
E as fachadas desmaiando na
sombra do dia.
Pressentem-se os silêncios de
um tampo de rua
Compassadamente estrídulo e os
automóveis
Indolentes desenhando uma
curva penosa
Clamorosos de um parque amplo,
arborizado
E do olhar dos velhos
compadres, encostados
Ao recolher dengoso da calma.
É a toada da vida.
O TEU OLHAR
Imenso é o teu olhar
Conversador
Intenso
Imerso
Na intimidade delicada
Carinhosa profundidade
Até ao princípio
Da união cósmica
Dos seres
Chispas esbraseadas
Ruborizadas
Em horizontes de ternura
Distantes
Espiritualidade fraterna
Gerada na dor contida
Do ciclo planetário
Instante a instante
Comprometida com a ilusão
De sermos
Únicos
No nosso contemplar.
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