«FLORBELA»
Vale a pena ver. Um
filme de produção nacional, «Florbela», que retrata a vida atribulada de uma
das mais apreciadas poetisas do séc. XX. Com uma interpretação irrepreensível
de Dalila Carmo, esta adaptação livre vai permitir que a protagonista seja uma
mulher talvez mais próxima dos nossos dias, talvez ainda mais ousada, em busca
de uma felicidade que não consegue alcançar, a não ser pela escrita. Repleto de
momentos de euforia e enternecimento, este filme revela-nos uma jovem presa a
uma espécie de infância triste a aprender a lidar com as suas emoções. O seu crescimento
interior é doado pela observação das pequenas coisas belas da sua vida
repartida entre o campo e a cidade: um passeio solitário, um sorriso
desconhecido, um momento vazio de congeminação, a luz oblíqua nas planícies a sussurrar
cada emoção, o beijo da aragem macia ao fim da longa tarde. É a tranquilidade
quase extática da natureza que a eleva para além da dor da incerteza dos
sentimentos humanos. E no diálogo com o silêncio da ausência, Flor escreveu-nos
as coisas belas que conhecemos e que são aquela agradável redescoberta. Psicologicamente
espancada pela mentalidade da época, foi, contudo, amplamente lida como ímpar ninfa
do amor e das palavras exultantemente belas. Fez da solidão a sua obra-prima. E
é comovente reconfirmar o ato de generosidade da arte nesta transmutação das
limitações humanas em inspiração criativa. Só possível pela entrega à causa da
sublimação das dolorosas desadaptações sociais e emocionais. Agustina conta-nos
que muitas vezes Florbela não escrevia porque achava que as pessoas estavam
fartas de versos, dos seus e não só. Mas a ideia de ter leitores fazia-a
sentir-se mais perto de si, menos certa do seu sentimento de inadaptação.
“Aquilo que não me
mata, só me fortalece” é uma das máximas conhecidas de Friedrich Nietzsche que
me tem norteado e que gosto de acreditar, porque tudo afinal é aprendizagem.
Até as palavras mais ásperas que ouvimos, daqueles que estão convencidos que,
instintivamente, os sons guturais de ameaça assustam a presa. Se os nossos
adversários soubessem quanto nos fortalecem, enchiam-nos de beijinhos. As
mordomias só criam obesidade na alma. É certo que não é fácil fazer de conta
que não sabemos que estamos a ser dissimuladamente vigiados a cada momento,
embora com isso o ego seja curiosamente reforçado; não é fácil respeitar a
alegria do outro, sabendo que há quem esteja atento às nossas para as repisar;
não é fácil não denunciar instrumentalizações humanas, em prol da perscrutação
das intenções alheias, sobretudo sabendo que as maiores vítimas poderão ser os
mais novos apanhados pela implacável corrente.
Parece que a cada
cidadão a sua solidão. Que cada um tem de se haver com a sua. E há as solidões pseudoinstituídas,
sabe-se lá por quem, e as da intimidade que são as fininhas melancolias, que
nos canta o poeta cabo-verdiano Jorge Barbosa (que morreu em 71 aqui entre nós
na Cova da Piedade!). Seja de quem for a solidão, de muitas mulheres, de muitas
Florbelas, esta merecedora do seu nome, é sempre irmã da incapacidade de amar a
diferença e de encarar a responsabilidade ética como vital para o bem estar de
cada um na causa humanitária que se proclama urgente e corresponsabilizadora. Embora
saibamos que a capacidade de aceitação do outro é proporcional ao sentimento de
autoaceitação e do autorreconhecimento…
Saúdo a BE/CRE da
nossa escola que decidiu organizar uma visita especial ao cinema com os alunos
e proporcionar-lhes uma pequena conversa com os produtores do filme «Florbela».
Embora mais do que uma vez adiada, é uma atividade interessante e imediatamente
abraçada por algumas professoras do ensino da literatura da RLG.
Agradeço aqui e
sempre a todos os poetas que são tocados pela consciência das coisas belas,
citando o nosso grandioso F.P.: “Em mim foi sempre menor a intensidade das
sensações que a intensidade da consciência delas” (Livro do Desassossego: 2006).
Laranjeiro, 11 de abril de 2012
Rosa
Duarte
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