sábado, 28 de julho de 2012

florbela espanca


«FLORBELA»


   Vale a pena ver. Um filme de produção nacional, «Florbela», que retrata a vida atribulada de uma das mais apreciadas poetisas do séc. XX. Com uma interpretação irrepreensível de Dalila Carmo, esta adaptação livre vai permitir que a protagonista seja uma mulher talvez mais próxima dos nossos dias, talvez ainda mais ousada, em busca de uma felicidade que não consegue alcançar, a não ser pela escrita. Repleto de momentos de euforia e enternecimento, este filme revela-nos uma jovem presa a uma espécie de infância triste a aprender a lidar com as suas emoções. O seu crescimento interior é doado pela observação das pequenas coisas belas da sua vida repartida entre o campo e a cidade: um passeio solitário, um sorriso desconhecido, um momento vazio de congeminação, a luz oblíqua nas planícies a sussurrar cada emoção, o beijo da aragem macia ao fim da longa tarde. É a tranquilidade quase extática da natureza que a eleva para além da dor da incerteza dos sentimentos humanos. E no diálogo com o silêncio da ausência, Flor escreveu-nos as coisas belas que conhecemos e que são aquela agradável redescoberta. Psicologicamente espancada pela mentalidade da época, foi, contudo, amplamente lida como ímpar ninfa do amor e das palavras exultantemente belas. Fez da solidão a sua obra-prima. E é comovente reconfirmar o ato de generosidade da arte nesta transmutação das limitações humanas em inspiração criativa. Só possível pela entrega à causa da sublimação das dolorosas desadaptações sociais e emocionais. Agustina conta-nos que muitas vezes Florbela não escrevia porque achava que as pessoas estavam fartas de versos, dos seus e não só. Mas a ideia de ter leitores fazia-a sentir-se mais perto de si, menos certa do seu sentimento de inadaptação.

   “Aquilo que não me mata, só me fortalece” é uma das máximas conhecidas de Friedrich Nietzsche que me tem norteado e que gosto de acreditar, porque tudo afinal é aprendizagem. Até as palavras mais ásperas que ouvimos, daqueles que estão convencidos que, instintivamente, os sons guturais de ameaça assustam a presa. Se os nossos adversários soubessem quanto nos fortalecem, enchiam-nos de beijinhos. As mordomias só criam obesidade na alma. É certo que não é fácil fazer de conta que não sabemos que estamos a ser dissimuladamente vigiados a cada momento, embora com isso o ego seja curiosamente reforçado; não é fácil respeitar a alegria do outro, sabendo que há quem esteja atento às nossas para as repisar; não é fácil não denunciar instrumentalizações humanas, em prol da perscrutação das intenções alheias, sobretudo sabendo que as maiores vítimas poderão ser os mais novos apanhados pela implacável corrente.

   Parece que a cada cidadão a sua solidão. Que cada um tem de se haver com a sua. E há as solidões pseudoinstituídas, sabe-se lá por quem, e as da intimidade que são as fininhas melancolias, que nos canta o poeta cabo-verdiano Jorge Barbosa (que morreu em 71 aqui entre nós na Cova da Piedade!). Seja de quem for a solidão, de muitas mulheres, de muitas Florbelas, esta merecedora do seu nome, é sempre irmã da incapacidade de amar a diferença e de encarar a responsabilidade ética como vital para o bem estar de cada um na causa humanitária que se proclama urgente e corresponsabilizadora. Embora saibamos que a capacidade de aceitação do outro é proporcional ao sentimento de autoaceitação e do autorreconhecimento…

   Saúdo a BE/CRE da nossa escola que decidiu organizar uma visita especial ao cinema com os alunos e proporcionar-lhes uma pequena conversa com os produtores do filme «Florbela». Embora mais do que uma vez adiada, é uma atividade interessante e imediatamente abraçada por algumas professoras do ensino da literatura da RLG.

   Agradeço aqui e sempre a todos os poetas que são tocados pela consciência das coisas belas, citando o nosso grandioso F.P.: “Em mim foi sempre menor a intensidade das sensações que a intensidade da consciência delas” (Livro do Desassossego: 2006).


                                                                                     Laranjeiro, 11 de abril de 2012

                                                                                                       Rosa Duarte


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