SERVIÇO DE PSICOLOGIA
Desde os tempos imemoriais dos
nossos antepassados que ouvimos e sabemos que aprender é até morrer. Está visto
que é essa a missão de todos nós. Aprender a aprender a todo o custo, em
especial no caso dos educadores, que precisam de conhecer o ser humano, a sua
matéria-prima, por excelência. Mesmo os mais instruídos em Psicologia, ou
especialmente estes... Até mesmo os educadores muito experientes. E em
particular os mais vocacionados e dedicados, naturalmente.
Ontem, um grupo de professores ouviu
falar duas jovens psicólogas sobre alguns sintomas de alerta em cenários
clínicos recorrentes nas escolas, frequentemente associados a perturbações
mentais detetáveis em fases de crescimento, com particular expressão na
conturbada adolescência.
Ouviram-se e contaram-se
episódios reais, bem presentes: crianças com síndroma de Asperger, com síndroma
de borderline, com sinais de
automutilação, alguns tipos de depressão, depressão reativa, depressão nervosa,
esta muitas vezes derivada do bullying, da
falta de afeto ou mesmo da má alimentação (em quantidade e qualidade)…
No final da sessão, prenhes de vivências
e lembranças, partilharam-se em privado outros, talvez plasmados por infâncias contidas.
Foi então que me deram a ler esta composição singela, tocante, assinada por um
bom aluno do décimo ano. O tema era a educação:
«Era uma vez um Menino que
gostava muito de falar e sorrir para as pessoas. Os pais muitas vezes advertiam-no
para não sorrir para estranhos e não falar para não incomodar as pessoas. Como
era obediente e queria muito agradar aos pais, o Menino deixou de sorrir à
vontade e só o fazia em privado. Aí, de vez em quando, despejava a alegria em gargalhadas
incontidas.
- Muito riso pouco siso, rapazinho. - Não se
livrava mesmo assim dos ralhetes. Aquela seriedade toda era-lhe penosa e ficava
apreensivo quando via outras crianças, ou mesmo adultos, a sorrirem-lhe ou a
sorrir para outros, na sala do consultório, no supermercado ou na escola. - Que
parvos!, pensava. Fazia questão de ser um menino lindo, como lhe pedia a mãe, não
obstante sentir-se como um cachorrinho afagado no cocuruto. Quando a mãe o
elogiava em público, encolhia-se todo. Não gostava mesmo nada. Mas não a
contrariava pelo amor e respeito que lhe tinha. Tornou-se, assim, um menino
calado e observador. Falar, falava pouco; nas aulas, quase nada.
- Só, obviamente, quando o
professor lhe pergunta alguma coisa. Ele lê muito, gosta muito de aprender e,
por isso, costuma saber as respostas.
- Mas que joia de menino! Nem se dá por ele! - Comentavam as
vizinhas mais chegadas.
Nem sempre o Menino se sentia
reconhecido por aquele esforço maior do que ele. Pois mal davam por ele, tão
bem se comportava. Quando algum amigo lhe pedia para brincar, o seu coração enternecia-se,
mas recusava. Devia portar-se bem, tipo adulto. Olhar pela sua conduta de
menino com educação.
- Vai brincar - diziam-lhe as empregadas, mas ele sabia que as
brincadeiras faziam sempre muito barulho. Quando ia, depois vinham as
empregadas repreendê-los.
Em casa, até alguns os adultos
eram repreendidos pela mãe.
- Mas esta gente não teve educação?! - Comentava a mãe,
escandalizada com o frenesim gritado pelos seus próprios familiares nas visitas
domingueiras. - O que dirá a vizinhança?
A mãe quando conversava com as vizinhas,
com aquelas que tinha alguma intimidade, gabava sempre a educação do seu Menino.
Às vezes as conversas delas pareciam as histórias humorísticas dos «Gato
Fedorento»: O meu filho com cinco anos já
tinha ganho o prémio Nobel. Ah, sim, então
e o meu?...
Hoje, o Menino sentado na sala de
professores à espera da sua aula, sorri para dentro, observa-se e, calado,
admira-se do seu silêncio. Já é tempo de soltar amarras… Mas o ruido elevado,
vindo de todos os lados da sala cheia de colegas, desencoraja-o e fá-lo pensar
nas infâncias daqueles que tiveram que esperar muitos anos para poderem simplesmente
gritar enquanto aguardam que a sua voz se oiça. Um dia cansar-se-ão e já não
precisarão de levantar a voz. Nem de mandar calar com tanta veemência. Nem de comentar
o ar sorridente e generoso do outro. Ou a aparente distração. Entretanto o
Menino professor continua a aprender a não se sentir incomodado com a curiosidade
desajeitada dos outros. E os sorrisos, esses, não os reprime mais. E ainda bem.»
Foi mais uma valiosa achega.
Com a inevitável ajuda das
doutrinas da Psicologia moderna, penso que concluímos que a educação é a grande
tarefa e a melhor ferramenta é, sem dúvida, o exemplo.
Laranjeiro, 12
de maio de 2012
Rosa Duarte
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